Dois anos após a assinatura dos contratos que selaram a venda da SAF do Vasco para a 777 Partners, os documentos se tornaram públicos. Em ação ajuizada no Tribunal de Justiça de São Paulo, a juíza Melissa Bertolucci negou o pedido por segredo de justiça e possibilitou a abertura deles.
A ação corre na 27ª Vara Cível e foi apresentada pela KPMG, consultoria que intermediou a venda para os americanos. A empresa teria direito a R$ 24,5 milhões pelos serviços prestados ao clube, mas alega ter recebido apenas R$ 6,6 milhões, em setembro de 2022, e haver pagamentos atrasados.
Sem direito ao segredo de justiça, pedido pela consultoria e negado pela magistrada, o ge teve acesso às 394 páginas do processo, dentre as quais consta o acordo de acionistas assinado por Vasco e 777 Partners, cujos efeitos foram suspensos por decisão judicial em maio deste ano.
Ainda não é possível ter todas as informações sobre o negócio. Em resumo, existem dois documentos fundamentais para compreendê-lo: o acordo de acionistas (que regra o relacionamento entre os sócios da SAF) e o contrato de investimento (que detalha questões financeiras). Apenas o primeiro foi anexado na ação judicial, então só ele foi revelado.
No momento, o Vasco e a A-CAP, atual controladora da 777, tentam revender a SAF do clube no mercado.
Obrigações financeiras
Apesar de não conter todas as cifras da sociedade entre Vasco e 777 Partners, pois esses estão contidos no contrato de investimento, o acordo de acionistas faz menção a valores quando é necessário tratar de regras e penalidades. Por isso há abertura de parte do panorama financeiro.
Ao comprar a SAF, a 777 se comprometeu a assumir as dívidas feitas pelo Club de Regatas Vasco da Gama, a associação civil, e a fazer aportes anuais na própria empresa. Esses números já eram públicos.
- até R$ 700 milhões em pagamento de dívidas;
- R$ 700 milhões em investimentos na SAF;
- até R$ 28 milhões em custos de estruturação da empresa e da transação (comissões de assessores).
O contrato também regrou uma série de valores que a 777 deveria cumprir, sob a administração do clube-empresa, para estimular a competitividade do time. Já essas quantias eram mantidas em sigilo.
Orçamento do futebol (folha salarial e compra de direitos federativos, masculino e feminino, categorias adulta e base):
- R$ 360.000.000 na soma de 2022 e 2023;
- R$ 250.000.000 ou 56% da receita anual (a considerar no máximo R$ 50 milhões em vendas de atletas) a cada ano em 2024, 2025 e 2026;
- Um dos cinco maiores orçamentos do futebol brasileiro a partir de 2027 ou desempenho esportivo pré-determinado (mínimo sexto colocado do Brasileiro, classificação para Libertadores, ou campeão de Copa do Brasil, Libertadores ou Sul-Americana)
Infraestrutura (obras de modernização e renovação de ambos os centros de treinamento e/ou aquisição e construção de outros):
- R$ 25.000.000 até 30 de junho de 2024, no mínimo.
Josh Wander, fundador da 777, e Jorge Salgado, presidente do Vasco na época da venda — Foto: Thiago Ribeiro / AGIF |
Caso a 777 não cumprisse alguma dessas obrigações financeiras, ela seria vetada de distribuir dividendos para os proprietários ao término do exercício. Ou seja, mesmo que a SAF desse lucro, esse dinheiro não poderia ser recolhido pelos americanos ao fim de cada ano.
Nesse trecho do contrato, também foi estabelecido que o Vasco deveria ser o carro-chefe (flagship) do grupo na América do Sul. Se outro clube de futebol fosse comprado no continente, o time seria sempre preferido internamente nas disputas de competições.
Falta de pagamento
Quando a associação do Vasco entrou com ação judicial para remover a 777 do comando da SAF, no início deste ano, seu principal argumento era a iminente inadimplência dos americanos em relação aos aportes. Em maio, a diretoria alegava que a parcela de setembro não seria depositada.
O contrato do clube-empresa tinha um mecanismo chamado "bônus de subscrição" para defender a associação, caso os americanos não fizessem o pagamento. Seu funcionamento está descrito no acordo de acionistas.
Diretoria atual do Vasco, comandada por Pedrinho, optou por retirar a 777 via ação judicial — Foto: Fernando Moreno/AGIF |
Na hipótese de inadimplência, segundo o contrato, passados 30 dias do vencimento da parcela do aporte, o Vasco emitiria um título no valor de R$ 1.000 (mil reais), que lhe daria direito a retomar o comando da SAF.
A 777 também tinha um mecanismo com o mesmo nome, em seu favor. O "bônus de subscrição" do investidor permitia que o grupo, mesmo inadimplente há mais de 30 dias, pudesse voltar para a SAF mediante o depósito do aporte, acrescido de juros. Isto só poderia acontecer uma vez. Caso a 777 voltasse a ficar inadimplente, não haveria retorno.
Revenda da SAF
O acordo de acionistas impunha restrições à 777 Partners na renegociação da SAF vascaína. Durante o período chamado de "lock-up" (até o pagamento de todos os aportes), o investidor não poderia vender o clube-empresa para terceiros, enquanto não tivesse terminado de aportar os R$ 700 milhões.
O único meio que a 777 tinha de viabilizar esse tipo de negociação, se chegasse a um acordo para revender a SAF, era a antecipação do pagamento de todo o aporte, isto é, da quantia que estivesse pendente no momento de assinar contrato com o novo proprietário.
Havia limitações para o perfil de quem fosse comprar a SAF. Nem a associação do Vasco, nem a 777 poderiam vender participações para:
- Clubes-empresas que fossem entidades esportivas no Brasil ou no exterior;
- Pessoas que fossem controladoras, direta ou indiretamente, de entidades esportivas no Brasil;
- Membros ou ex-membros (nos últimos três anos) da administração de clubes ou entidades esportivas do Rio de Janeiro.
Também existia restrições a outros grupos, citados explicitamente no contrato. Para concorrentes como Fenway Sports Group, City Football Group, Pacific Media Group, Red Bull e Eagle Football, o Vasco não poderia vender um percentual da SAF, enquanto a 777 fosse controladora.
O processo de revenda foi regrado pelo acordo de acionistas. O Vasco, por exemplo, tinha o chamado "drag along" (direito de arrastar, em tradução aproximada). Suponha que a 777 não fizesse o pagamento da parcela do investimento, o clube usasse o bônus de subscrição e recuperasse o comando da SAF, com mais de 50% do capital social da companhia.
Nessa hipótese, o Vasco tinha por contrato o direito de obrigar os americanos a venderem o percentual que eles ainda tivessem da SAF, caso chegasse a oferta de um novo comprador, pelo mesmo preço e pelas mesmas condições que o próprio clube teria negociado.
Como a 777 ainda não havia integralizado o valor suficiente para se tornar controladora definitiva da SAF — a quantia investida até maio era equivalente a 31% do capital da SAF —, este poderia ser o quadro. No entanto, a atual diretoria, do presidente Pedrinho, optou por outro caminho, com a suspensão dos contratos por via judicial em maio.
Fonte: ge
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